quarta-feira, 12 de maio de 2010

Saudosismo

As redes sociais são um fenómeno que, no meu entender, já passaram a barreira do emergente.
Sites como Facebook, Hi5, Linked In, Sonico, são hoje em dia ferramentas que podem ser encaradas tanto numa vertente lúdica como numa vertente profissional.

Eu sou particular fã do Facebook, tenho lá o meu perfil, o meu grupo de amigos e vou aderindo aos grupos que vão sendo criados e que, por um ou outro motivo, me dizem algo.

Há uns dias, um antigo colega de faculdade criou um grupo dedicado à tasca do Sr. Américo.

A referida tasca era ponto de encontro obrigatório nos meus tempos de faculdade.
Situada no nº 96 da Rua das Praças, na Lapa em Lisboa, a tasca era carinhosamente apelidada de sala 96 pois, na realidade, era mais o tempo passado lá a emborcar alarvemente minis e copos de branco velho do que nas salas de aulas a cultivar a psique.

A tasca era (já fechou pois a faculdade onde eu andei mudou de localização e Sr. Américou ficou sem freguesia) um local mítico e tipicamente alfacinha.

O balcão forrado a azuleijo, as mesas forradas a toalhas de plástico ás flores, os bancos corridos, o Sr. Américo com o lápis atrás da orelha e a navalha que tanto servia para aparar as unhas como para cortar o queijo das sandes.
As pipas de vinho, a casa de banho sem sanita (apenas com um buraco) e com folhas de jornal rasgadas para limpar as nalgas, o cheiro a bafio, o tecto quase a cair...

Enfim, uma maravilha.

Digo, uma maravilha, sem qualquer tipo de ironia. A tasca foi realmente o sítio dos 5 anos de faculdade onde passei mais tempo, e que tempo!!!

Tardes a jogar à sueca ou à moeda, noites de ensaios da tuna, bebedeiras épicas, namoricos, conversetas, tudo ao mesmo tempo que as aulas decorriam no edificio no outro lado da estrada, sem claro a minha presença e de mais uns quantos amigos da carolice da vida boémia de estudante.

A minha primeira visita à Tasca do Sr. Américo, foi no primeiro dia de praxes.
"Verdinho", quando lá cheguei com o meu amigo Hugo Marques no primeiro dia de, supostamente, aulas, fomos logo agarrados por meia dúzia de manfios que logo nos levaram para dentro da tasca.

Que tarde meus amigos, enfiados numa sala da tasca a que chamávamos "privado" (um pequeno buraco escuro, sem uma única janela, húmido, com pipas de vinho velhas e 30 gajos todos a fumar lá dentro), toda a tarde fomos interrogados, achincalhados, esmifrados e sei lá o que mais.
A mim, enfiaram-me logo uma panela do Sr. Américo na cabeça (toda preta e amolgada por sinal) onde o meu Amigo Pedro Gonçalves na altura, finalista e Magister da tuna, bebado que nem um cabrão, esteve a bater com uma colher de pau a tarde toda.
Que saudades!!!

Muitos copos paguei e muitos copos bebi...

Eu tinha espírito para aquele massacre das praxes, alinhei sempre em tudo, e sempre fui tratado com respeito, e assim é que deve ser.
No grupo onde me vi inserido, a praxe era considerada um momento de integração e não de humilhação à semelhança do que, infelizmente, ainda acontece por aí.

Claro que fazíamos coisas parvas e sem sentido.
No dia do baptismo do caloiro, que era feito numa fonte que existe na Rua das Janelas Verdes, com àgua verde de tão podre estar, restos de garrafas partidas lá dentro, merda de pombo por todo o lado, eu, orgulhosamente, acabei em boxers lá dentro, porque os veteranos embicaram que tinha de haver um caloiro a ir ao banho, como ninguém queria ir e, se ninguém fosse ficávamos ali a noite toda. Pumba... lá fui enfiar-me no lodo da fonte.

Tão "heróico" facto valeu-me o título de Mister Caloiro de 1998, eheheheh....

No jantar do caloiro desse ano, já depois do jantar e aquando os brindes finais antes de irmos para a discoteca, vi um grupo de finalistas agarrados uns aos outros a chorar porque aquele ano lectivo que ía começar ía ser o último da sua vida académica.

Na altura olhei a cena e pensei "olha-me estes animais, nas praxes todos armados ao durão e agora parecem umas Madalenas arrependidas a chorar por se livrarem deste "fardo" que é a escola".

Hoje percebo.
Hoje quando falo com eles, quando estamos juntos e recordamos os tempos de faculdade, também fico com o peito apertado e com um nó na garganta.
Foram muitas tardes de bebedeira, muitas actuações da Tuna, muitas semanas académicas, muita vivência em conjunto.

É uma sensação estranha.
Quando passo à porta da antiga mítica Sala 96, hoje fechada no mesmo estado de podridão de há 12 anos, também me apetece chorar, não por tristeza, mas por aquele sentimento que só em português se pode exprimir que é a Saudade.

Hoje tenho uma vida boa, tenho uma mulher que adoro, tenho dois filhos lindos que amo do fundo do coração, mas ainda assim os tempos de Faculdade, de Tuna, de Associação Académica marcaram-me para a vida.

Aqueles que, como eu, tiveram tamanha sorte em experimentar estes sentimentos de união, comunhão e espírito académico, percebem perfeitamente o que estou a transmitir.

O Hi5 e mais até o Facebook, têm-me permitido manter o contacto com grande parte dos companheiros que comigo viveram e experimentaram o antigo espírito do ISLA de Lisboa.
Hoje todos, ou quase todos, trabalhamos e temos famílias, vidas diferentes e que nos afastam de um convívio mais regular mas, pelo menos, podemos sempre abrir os nossos perfis e acompanharmos as vidas uns dos outros ainda que de uma forma menos intensa, ou se quiserem mais superficial.

Dedico este post a todos os Ex-alunos do Antigo ISLA da Lapa, Pessoal de Marketing e Membros e antigos Membros da Tunilingus.
A todos vós "Alis Volat Propis"

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